Freud e a Arqueologia
Apesar de ser amplamente reconhecido pelo uso de métodos experimentais e heterodoxos, como a hipnose por exemplo, é pouquíssima divulgada, sendo sempre matéria para os mais curiosos, a estreita ligação que o criador da psicanálise tinha com a arqueologia. Na verdade, ligação é um termo modesto para se referir a alguém que possuía uma coleção com mais de 2.000 artigos - praticamente todos originais - de antiguidades do Egito, Grécia, Roma e China.
A analogia entre psicologia e arqueologia é extremamente tentadora, porém os fatos nos levam a concluir que - para o desapontamento da grande maioria - Sigmund Freud não usava suas peças como mais um de seus métodos excêntricos de análise. Sua relação com os objetos de arte eram muito mais parecidos com a ligação que uma criança possui com seus bichos de pelúcia ou mesmo que os religiosos têm com imagens sacras: a de companhia, admiração e inspiração.
E quando falamos de inspiração, podemos sim nos arriscar a interpretações mais ousadas. Segundo os relatos de Carl C. Jung, um dos maiores discípulos de Freud, uma certa tribo de aborígenes possuía o hábito bem peculiar de escolher a dedo uma determinada pedra e enterrá-la. Após este ato inicial, este local precisava ficar bem marcado para que, quando o indivíduo sentisse que sua energia estivesse esgotada, a pedra fosse desenterrada e - esfregando a mesma sobre suas coxas - o mesmo pudesse recobrar sua carga vital. O próprio Jung reconheceu mais tarde o quanto este costume arcaico era funcional quando, já em idade avançada, ele mesmo redescobriu uma caixa contendo pertences de sua infância. O ato de abrir a caixa, reativar as memórias e acariciar os souvenires de fato o fazia sentir-se revigorado, proporcionando-o um senso de Erquickung, um termo utilizado pelo próprio Freud para descrever a sensação de vida e força que adquiria ao estar cercado por suas silenciosas companhias.
Sabe-se muito bem que Jung mais tarde rompeu suas ligações com Freud e acabou sendo renegado por este. O fato porém não impediu que muitos dos avanços do primeiro corroborassem, ou até mesmo representassem uma evolução na linha de pesquisas do último. Quem ousaria negar que Freud já não buscava em suas relíquias um acesso à arquétipos ancestrais, uma vez que um de seus principais anseios era a de “curar” o homem moderno de recalques arcaicos? Seja por companhia, admiração ou inspiração, a metáfora entre psicologia e arqueologia não deixa de reafirmar com o decorrer dos anos, décadas e, já passando de seu primeiro século, o quanto é funcional, precisa e poderosa.
Fonte principal da pesquisa: Sigmund Freud e Arqueologia: sua Coleção de Antiguidades, 1994.
José M. da Costa é pesquisador, designer e fundador da Storiologia.